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O não entendimento do sucesso de BTS e a xenofobia de cada dia...

Camila Monteiro

02/10/2019 13h03

Já faz um tempo que eu tenho nos meus rascunhos aqui do blog alguns textos sobre a indústria do kpop, o crescimento dela no Ocidente impulsionado pelo sucesso estrondoso de BTS e os vários preconceitos que os idols coreanos enfrentam. A natureza desses problemas ocorrem de formas diferentes:  discreta e "boba", como perguntas repetidas sobre outros grupos que não possuem nada a ver com o assunto, ou então questões mais sérias, que envolvem piadas racistas, homofóbicas, com um tom condescendente e que perpassam diversos setores da mídia, seja um programa de rádio, uma revista de grande circulação ou um portal de notícias. As fãs são sempre loucas ou estão em estado contínuo de "enlouquecimento"; são tratadas como crianças que desconhecem "música boa". O que, afinal, é música boa?

BTS em cena de Idol (reprodução/Big Hit)

O erro, inclusive, ao falar sobre kpop começa na própria ideia de que absolutamente tudo proveniente da Coréia do Sul é kpop. A taxonomia parece simplesmente evaporar quando o assunto é música asiática. Embora não exista uma pesquisa em relação a variedade e qualidade da música coreana, existem diversas matérias explicando de forma bastante sensacionalista e pouco crítica e pontual, sobre a famigerada "fábrica de idols", uma característica amplamente disseminada e já considerada principal da indústria do kpop. A transformação de BTS numa espécie de animal exótico que conquistou todo mundo e agora quer seu espaço num zoológico, é uma imagem mental que eu criei na minha cabeça para colocar em perspectiva a quantidade de absurdos e preconceitos que leio constantemente. Seria esse animal realmente exótico, ou o problema está no público que nunca foi exposto a outra cultura e vive em uma bolha de repetições e gostos limitados? É impossível entender o kpop plenamente sem conhecer a cultura coreana. E não, não é impossível gostar de kpop e não ter interesse algum na cultura, mas isso separa as pessoas entre consumidores casuais, que abrem uma playlist e curtem uma música, de jornalistas que são pagos para viajarem até a Coréia e terem uma entrevista exclusiva – e raríssima – com o maior grupo de música pop coreana de todos os tempos.

BTS em parceria com a UNICEF na campanha End Violence, Love Myself (reprodução/Big Hit)

Limitar uma cultura inteira a meia dúzia de estereótipos que fazem um grande desserviço ao manter estigmas é tudo que o jornalismo não pode ser, jamais, em tempo algum. Jornalistas informam e não existe informação sem pesquisa. Essa constante repetição de padrões, questões e "brincadeiras" não só demonstra falta de conhecimento, como reflete a branquitude e soberania de uma parcela – enorme- da sociedade que se acha superior pela língua que fala e costumes que perpetua. É piada sobre termos coreanos, como a pessoa "soa engraçada" ao falar inglês – ao mesmo tempo em que a grande maioria dos americanos é incapaz de sequer falar oi em outra língua -, como são todos parecidos e difíceis de discernir, como são máquinas dançantes e sem personalidade, chineses, japoneses, coreanos, culturas milenares reduzidas a pó, além de uma obsessão em atrelar a imagem dos músicos asiáticos com qualquer personalidade ocidental, como se o valor do oriental dependesse das suas conexões "aceitáveis" e de fácil identificação pelo grande público.


Se BTS abriu o seu espaço dando voz aos sentimentos de milhares de pessoas que encontraram no grupo um apoio necessário para o que elas estavam vivendo, é cruel e decepcionante ver que independente das conquistas e barreiras que o grupo conseguiu ultrapassar até aqui, exista uma montanha muito maior envolta de números, vendas, recordes e cifrões, que pouco se importa com a real razão de o grupo ter se tornado o que é – um erro primário, eu diria – e que repete desinformações e o mesmo discurso xenofóbico e reducionista. Não, os asiáticos não são todos iguais, sim eles usam maquiagem e isso é extremamente normal, a Coréia, assim como qualquer país, possui uma série de problemas culturais que devem ser entendidos e pensados dentro do contexto que eles vivem. Reduzir uma cultura inteira em perguntas sempre iguais (qual sua comida preferida? qual a sensação de estar aqui? qual artista vocês querem colaborar?), que ao invés de abrir os horizontes e gerar interesse em quem lê, corrobora toda visão equivocada que o ocidental médio tem do oriental é um erro gigantesco.

BTS no encontro das Nações Unidas em 2018 antes do discurso de Namjoon (reprodução/Big Hit)

Ter a chance de sentar diante de um dos maiores fenômenos da cultura pop dos últimos tempos, todos eles extremamente jovens, com personalidades distintas e interesses variados, e repetir sempre as mesmas questões, é no mínimo chato e desinteressante e para nós, que acompanhamos e gostamos dos envolvidos, é borderline desesperador. Se não há bom senso para pesquisar sobre a cultura e o grupo em questão, que exista pelo menos algum editor que entenda que não se usa jamais tragédias que ainda geram muita dor aos envolvidos e que em tempo algum devem ser utilizadas em sínteses descabidas sobre um assunto que o jornalista não domina. Novamente não há interesse algum sobre a sociedade coreana, sobre a realidade dos jovens, sobre o porquê taxas de suicídio serem altas e como a música tem um papel importante em modificar isso. É um universo de possibilidades engolidos pelo despreparo, falta de conhecimento, profissionalismo e pior, humanidade.


E escrevo isso ciente de que os comentários seguirão sendo sobre "gaypop", "isso é homem ou mulher", "que música horrível, não entendo nada", mas se existe algo que Kim Namjoon nos ensinou e que eu sempre levo para a vida é que precisamos falar e expôr as nossas verdades. E a minha verdade atual é tentar de todas as formas sobreviver em um mundo polarizado e que precisa de gente que lute por ele.

Sobre a autora

Camila Monteiro é jornalista e estudante de doutorado em música, mídia e fandoms. Ama cultura pop e é muito fã de Bangtan. Sua vida se divide em antes e depois que ela viu Park Jimin na sua frente.

Sobre o blog

Nesse espaço discutiremos o Universo Kpopper: fandoms, bandas, debuts, disbands, MVs, álbuns, tours, coreografias, Coréia e tudo que o K-Pop nos oferece. Entre visuals, rappers e vocalistas, ultimates e bias wrecker estabelecido(a)s, vamos refletir sobre as diferentes gerações do pop coreano, a influência na moda, beleza, cultura e como o K-pop muda a vida das pessoas.

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