Subcultura Masternim: A importância dos fansites dentro do kpop
Na frente do Starbucks, bolsa preta com um chaveiro do Chimmy, perto da porta, do lado direito. Essas foram as informações que recebi pelo twitter de Invictus, um dos vários fansites dedicados a Park Jimin (BTS). Com cerca de 75 mil seguidores, Invictus, desde setembro de 2018 virou "masternmin" (nim é um sufixo coreano utilizado para nos dirigimos à pessoas que possuem um status mais elevado que o nosso, especialmente na mesma área de trabalho. Idols mais novos chamam idols mais velhos de sunbaenim por exemplo. Dentro dos fandoms os fansites são chamados de masternim por terem um alto valor de capital social e subcultural). Invictus tem como marca registrada suas fotos bastante artísticas de Jimin (imagem acima). Sei disso pois assim como milhares de fãs do grupo, uso uma das fotos dela como header do meu twitter. Assim, já podemos estabelecer a primeira influência que os fansites possuem dentro dos fandoms de kpop.
Com tanta gente na frente do Starbucks eu demorei para encontrar Invictus, mas ela rapidamente me respondia no twitter com dicas de como encontrá-la no meio de um mar de Armys. Em seguida finalmente avistei ela e conversamos rapidamente; elogiei o trabalho que ela faz, ela me contou que tinha ido aos shows do Brasil, peguei 20 libras da minha carteira e paguei pelo meu Kit de Torcida, o Cheering Kit que ela fez especialmente para Wembley. Toda essa interação, inciada no twitter, durou menos de 10 minutos e é o modus operandi da maioria dos fansites: as masternims criam merchan exclusivo com fotos que elas tiraram ao longo dos anos, e existem diferentes opções de merchan, kits mais caros com acessórios, leques, fotografias maiores e elas divulgam no twitter o local e horário em que estarão vendendo seus produtos.
É interessante ver como todos os fansites funcionam praticamente da mesma forma, não somente no processo de pré-venda, onde todas são muito rápidas em responder, mas principalmente na qualidade e apresentação dos produtos. Os dois kits que comprei vieram dentro de uma pasta de plástico transparente com uma espécie de anel para poder segurar facilmente ou pendurar na bolsa, algo essencial em um show onde não podemos levar muita coisa por motivos de segurança. Ambos os kits têm como principal produto a faixa de pano com fotos e frases em coreano, além de complementos como adesivos, photocards (fundamental no universo kpop) e leque. As imagens estampadas nos produtos são bastante familiares pois já curtimos, retuitamos e assistimos em compilados feitos por fãs no twitter. Essa é certamente a maior característica dos fansites: eles são o banco de imagens dos fandoms. Seja foto ou vídeo, a referência principal audiovisual nos fandoms de kpop vem das mãos das masternims.
A rapidez dos fansites em divulgar as fotos tiradas é outro ponto importante que ajuda a fazer determinadas masternims serem mais bem sucedidas que outras. Receber as fotos praticamente em tempo real é essencial nos dias de hoje, e os fansites têm costume de postar previews, em baixa qualidade, assim que tiram as fotos e só mais tarde – as vezes demoram dias – que enfim elas postam versões finais e editadas (fotos acima). A postagem das previews serve também como termômetro para ver quais fotos fizeram mais sucesso, receberam mais likes, foram mais disseminadas, e assim tornam-se prioridades de postagem do fansite e entram no grupo de imagens que serão utilizadas no merchan produzido.
E como as masternims conseguem tirar essas fotos? Como elas entram com as câmeras enormes nos shows? Seriam elas stalkers/sasaeng? (falei sobre isso aqui) Elas só fazem isso da vida? O que mais elas produzem? Aqui adentramos um caminho um pouco mais espinhoso e meio cinza pois a cultura masternim é bastante debatida principalmente pelas fãs internacionais. Existe uma frequente discussão não somente sobre invasão de privacidade mas também sobre segurança, principalmente nos shows. Para algumas fãs, o fato de alguém conseguir entrar com lentes enormes que são especificamente "proibidas" é preocupante. Além de que pelo tamanho das câmeras, dependendo da localização que os fansites se colocam, elas acabam atrapalhando a experiência de fãs que estão na volta, seja porque elas ficam o show inteiro tirando fotos e tentando se esconder para não serem pegas pela segurança, ou por bloquearem a visão do palco com suas máquinas profissionais gigantescas.
Os fansites, a priori, seguem a agenda oficial dos idols, em turnês mundiais, premiações e aparições em eventos como desfiles de moda ou promoção de alguma marca que patrocina eles. Muitas também acompanham eles nos aeroportos, o que novamente gera debate dentro dos fandoms, que muitas vezes consideram desnecessário e invasivo. No entanto é importante salientar que esse debate de opiniões reafirma a importância de entender as peculiaridades de culturas distintas. Ao consumir pop coreano, feito por coreanos, cantado e dançado por coreanos, produzido por coreanos e disseminado majoritariamente também por coreanos, é preciso ampliar a visão ocidental que temos das coisas e prestar atenção no que fãs coreanas têm a nos dizer e ensinar. Fansites entram numa dessas categorias a serem exploradas e que precisam de contexto sociocultural para serem compreendidas, pois elas não são apenas fãs que vão atrás dos idols, elas são fundamentais na manutenção e expansão dos fandoms, não somente pelas imagens que elas captam mas também pela circulação de capital que elas geram, organizando eventos, projetos de aniversário, homenagens e juntando dinheiro para causas sociais em nome dos seus idols preferidos.
Acima podemos ver um dos projetos feitos pelo KAI BAR, fansite chinês de Kim Jongin, o Kai da EXO. As fãs juntaram dinheiro e foram capazes de abrir uma escola em nome do cantor. A cultura fansite não se resume apenas em tirar fotos e vídeos HD dos idols, elas aproveitam a influência que possuem e fazem o capital social e subcultural que adquiriram girar; desde projetos sociais envolvendo ajuda a escolas, proteção a animais e disseminação de produtos de higiene para meninas sem acesso, como também são responsáveis por criarem exposições em museus com as fotos que tiraram, organizam eventos de aniversário dos idols e criam grupos de compra e venda de merchan oficial e não oficial pois possuem acesso e dinheiro.
Os projetos de aniversário são práticas bastante comuns dentro do kpop e vão desde outdoors espalhados pela cidade, ônibus inteiros dedicados ao dia do idol em questão até mesmo billboards em locais famosos. Nas imagens acima podemos ver o último projeto que as fãs chinesas de Jimin fizeram no aniversário dele em outubro, com imagens do cantor estampando um dos cartões postais de Shangai, a Twin Tower. Tudo isso, logicamente, depende de quanto dinheiro os fansites são capazes de juntarem e a influência das masternims também deve ser levada em consideração. A grande maioria delas possuem ótimas condições financeiras, por isso mesmo podem viajar para todos os cantos atrás das melhores imagens possíveis dos idols. Muitas investem seu próprio dinheiro para fazer os projetos acontecerem e só depois, com a popularização dos fansites que elas conseguem obter lucros vendendo merchan de seus trabalhos.
Os fansites trabalham com os mais diversos tipos de capital, desde o início quando elas investem o próprio dinheiro em aparelhagens (câmeras, lentes, tripés, etc), viagens e ingressos, até o momento em que elas se tornam masternims, criando contas em redes sociais (twitter, instagram, site pessoal) e estabelecendo um lugar que, muitas vezes, se torna referencial dentro do fandom. Alguns fansites possuem mais de 1 milhão de seguidores, outros têm mais de 100 mil likes em um único post e viralizam facilmente.
A maior discussão que existe atualmente em torno dos fansites é em relação a linha tênue que separam elas das sasaengs, as stalkers dos idols. Os fansites são feitos para acompanhar os idols na agenda oficial, em eventos que eles já esperam serem filmados e fotografados. As sasaengs no entanto não respeitam isso, burlam regras da empresa, perseguem idols em hotéis e hackeiam telefones para conseguirem "conversar" com eles. As diferenças são grandes: fansites não vão atrás dos idols no tempo livre deles, porém existem alguns casos específicos onde fansites e sasaengs viram uma coisa só. Entretanto, isso não é normal – nem deve ser normalizado – e a grande maioria dos fansites têm como objetivo disseminar conteúdo exclusivo do seu idol preferido.
Outra crítica constante aos fansites são relacionados a edição das fotografias. Aqui, mais uma vez, temos um embate sociocultural, pois na Coréia existe uma forte – e bastante questionável – cultura do embranquecimento. Isso é facilmente percebido em produtos de beleza, agora mais do que nunca com a popularização da K-beauty. Máscaras faciais, cremes, toners, a maioria dos produtos coreanos possuem características "whitening", ou em tradução literal, embranquecedoras. Os fansites, em sua grande maioria coreanos, seguem essa linha e embranquecem bastante os idols. Acima temos Taehyung (BTS) e Felix (Stray Kids) nitidamente embranquecidos e abaixo temos eles com seus tons naturais de pele.
Apesar dos problemas que encontramos na cultura dos fansites os estranhamentos principais são conectados diretamente com a cultura coreana e são questões que perpetuam a sociedade muito além da cultura idol/kpop. Fansites são parte fundamental na propagação de imagens e vídeos dos nossos idols preferidos e se tornaram fontes oficiais para veículos de comunincação grandes e para os próprios idols que muitas vezes reconhecem seus fansites e utilizam as fotos tiradas por eles em seus estúdios. Além de imagens, os idols também usam roupas (geralmente de marcas caras) que foram dadas por fansites em projetos de aniversário. É bastante comum ver fansites mostrando os presentes que compraram e meses depois os idols usando as roupas em questão.
De todas as práticas dos fansites a que eu particularmente mais aprecio é a das fancams 4K. Os vídeos, com qualidade altíssima possibilitam que a gente veja melhor a coreografia, repare em momentos que são difíceis de prestar atenção quando focamos no grupo todo e a qualidade e rapidez com que o conteúdo é postado chama atenção. A nova tour de Lee Taemin (SHINee) por exemplo, provavelmente terá dvd em alguns meses, mas já temos aqui uma fancam excelente com a perfomance de Want (tirada pelo fansite @bambam0525) que não deixa a desejar em nada para as gravações oficiais.
Ao fim, o mais importante é tentar compreender a cultura masternim dentro do seu contexto social e cultural, não endeusar nem destruir as práticas ali feitas e observar que fansites pertencem a espaços que possivelmente seriam ocupados por paparazzis e veículos de comunicação que fariam um trabalho bem menos interessante e bom por falta de expertise (ângulo melhor de determinada música, lado do palco que o idol fica mais, momentos específicos que só quem acompanha o grupo conhece). Ao invés de dezenas de jornalistas tirando fotos de algo que eles desconhecem, temos fãs que investiram para criar um conteúdo melhor e mais pessoal, apesar de todos – e, como apontei, são vários- os pesares.
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