Cultura Stan: Entendendo sasaengs, solo stans, akgaes, fansites e fanbases
Camila Monteiro
19/06/2019 15h24
Jungkook em live comentando sobre as ligações que recebe das sasaeng (reprodução/Big Hit)
No último domingo (16) Jungkook resolveu fazer uma live pós-show de BTS para conversar com os fãs. Essa é uma prática muito comum entre os idols no kpop. A VApp, é um aplicativo cujo foco é abrigar programas de entretenimento dos mais variados grupos, além de ser a principal ferramenta de comunicação direta entre fãs e ídolos; existe um chat e muitas vezes os artistas respondem os comentários em tempo real. Jungkook no entanto, passou por uma situação chata na última live que ele fez quando o telefone tocou e ele comentou que era uma stalker. Ele ainda disse que costuma receber várias ligações desse tipo e isso foi o suficiente para reascender um dos assuntos mais complicados e problemáticos da cultura stan que são as sasaengs.
Entendendo os termos
É bastante importante diferenciar os termos mais utilizados dentro da prática de fãs no kpop (aqui falo sobre kpop mas existem muitas semelhanças com o pop ocidental, porém por motivos culturais e sociológicos resolvi focar no pop coreano). A priori existem diversas formas de demonstrar afeto – e desafeto – dentro de um fandom:
Lurker: A primeira delas é sendo um fã-lurker. Lurker significa escondido, é a pessoa que apesar de ter redes sociais, acompanhar threads, salvar imagens e consumir conteúdos, não "aparece" jamais. O lurker gera pouco capital social pois não interage com outros fãs nem produz conteúdo. No entanto ele faz parte do fandom pois dá views nos vídeos, lê matérias e possivelmente gasta dinheiro com merchan e produtos relacionados aos seus idols preferidos.
Fã/Stan: O fã nada mais é do que alguém que gosta de algo e participa ativamente da construção diária de uma comunidade envolvendo outras pessoas que gostam da mesma coisa. Resolvi colocar fã e stan juntos pois hoje em dia é bastante difícil diferenciar um do outro por causa da disseminação e incorporação do termo stan, que inicialmente era negativo na cultura dos fandoms. Se antes o stan era o stalker, o fã aberração (stupid + fan = stan), hoje stan é outra forma de chamar um fã comum (a definição de comum fica a critério de cada fandom). Os fãs não só acompanham os idols, interagem, criam grupos de chat e fazem amigos como produzem conteúdos, editam vídeos, fotos, desenham e nos fandoms de kpop, possuem uma característica crucial que é a de traduzir. A tradução merece ser destacada pois é essencial para que o conteúdo rode pelas fanbases e fan accounts. Assim entramos em:
Fan Account: As fan accounts nada mais são do que contas criadas – aqui me refiro especificamente ao twitter – apenas para fins relacionados ao fandom. As pessoas não utilizam nome nem foto pessoal, elas geralmente usam combinações entre os nomes dos integrantes preferidos, músicas e memes, e muitas vezes editam imagens e fotos específicas para ter uma apresentação interessante em suas páginas principais do Twitter. As fan accounts são geralmente pessoais, pertencem a apenas uma pessoa que administra a sua própria página, diferente das fan bases.
Fanbases: Já as fanbases reúnem uma série de pessoas, que se conheceram no "stan twitter", seja pelas contas pessoas ou de fã, e resolveram dessa forma criar uma conta focada em disseminar informações sobre o grupo. Essas contas geralmente são administradas por um grupo de pessoas (o número varia, já entrevistei contas que tinham 3 pessoas e outras 11) que se reveza em postar, traduzir e fazer clipagem de informações sobre o grupo ou idols específicos. Por serem muito ativas e um trabalho em equipe, geralmente possuem um número grande de seguidores e um alto capital social pois tudo que postam circula bastante. É importante – e por vezes confuso – diferenciar as fan bases dos fan sites.
Fansites: Os fansites talvez sejam a parte mais interessante e ao mesmo tempo polêmica dentro dos fandoms. E é algo bastante peculiar da cultura coreana e do kpop per se. Fan sites são uma espécie de groupies de luxo, pessoas que viajam para praticamente todos os shows e eventos que os grupos participam e que tiram fotos com câmeras profissionais de alto nível que geram imagens que deixam qualquer fotógrafo profissional com inveja. Os fansites porém encaram a realidade de estar na linha tênue entre serem fãs dedicadas – muitos fansites são assim – e fãs que não respeitam o espaço dos idols e se tornam stalkers, as famigeradas sasaeng. Porém é importante lembrar que os fansites são grandes motores dentro dos fandoms, pois postam fotos, as famosas fancams, criam campanhas, arrecadam dinheiro, fazem eventos especiais e produzem material específico para os shows (kits com fotos, leques e panos para serem segurados com os nomes dos artistas). É uma discussão bastante complicada por envolver uma outra cultura (para nós ocidentais alguém que vai atrás de idols o tempo inteiro é sempre considerado louco stalker), cujas práticas são encaradas de formas diferentes. No entanto existe sim, em alguns casos, essa relação fan site e sasaeng.
Sasaeng: É um termo coreano que significa sa (privado) e saeng (vida) e é relacionado a invasão de privacidade da vida dos idols. Stalkers não são nenhuma novidade do kpop, muito pelo contrário, existem diversos casos de artistas ocidentais famosos que sofreram com eles (o mais famoso caso de todos sendo John Lennon, morto por seu "fã" Mark Chapman). No entanto na Coréia isso tem toda uma outra conotação por ser uma prática, quase uma profissão, e já faz parte da cultura deles. As sasaeng perseguem idols não somente na rua, mas compram passagem no mesmo avião para tirarem fotografias de perto. Os hotéis também são locais visados por elas, que tentam ir nos quartos dos idols para conseguirem adquirir qualquer coisa que eles tenham usado e/ou tocado. Existem inúmeros casos (principalmente com a EXO) de sasaengs que se esconderam em quartos de hotéis para "surpreender" os idols. Uma das práticas mais comuns entre elas é a venda de informações a partir de hackeamento dos celulares/kakao dos idols. Kakao é uma espécie de Whatsapp coreano e as stalkers descobrem os telefones (muitas arranjam trabalhos em companhias telefônicas só para terem acesso) e vendem informações – na maioria das vezes falsas – com números, fotos e "bombas", que geralmente envolvem fofocas sobre namoro – que ainda é um tema polêmico dentro do kpop – e uso de drogas entre os idols.
Solo Stans: Não é novidade para ninguém que um dos "problemas" que as pessoas possuem com kpop é o grande número de membros que alguns grupos podem ter. Mas a verdade é que preferências dentro de boybands e girlbands também não é nenhuma novidade para a indústria do entretenimento ocidental. A única diferença são os termos e por vezes, a intensidade com que isso ocorre. No kpop existem as chamadas "solo stans", pessoas que gostam especificamente de um membro e sempre que possível focam nele em absolutamente todos os aspectos. Para muitas fãs não existe diferença entre solo stans, akgaes e haters, todos são considerados "Anti", pessoas que só geram conflito e caos no fandom. A diferença entre solo stans e akgaes é basicamente o direcionamento do ódio. As solo stans geralmente acham que seu idol preferido é injustiçado, que merecia mais espaço e odeiam a agência e situação de forma geral, já as akgaes odeiam outros membros/membros específicos.
Akgaes: É a forma curta de se dizer "akseong gaeinpaen", que literalmente em coreano significa "fã individual com más intenções". As akgaes são uma espécie de evolução das solo stans; elas possuem um membro preferido e despejam ódio em todo resto, ou em um dos membros que elas consideram ameaça para o status de quem elas gostam. A dinâmica das akgaes é gerar caos e conflito no fandom, criando contas fake para disseminar conteúdo mentiroso e especulação sobre outros membros do grupo. Existem contas específicas para denunciar essas akgaes, e várias contas conhecidas com o tempo são "desmascaradas" como akgaes ou solo stan.
Existe toda uma dinâmica dentro dos fandoms dos grupos de kpop de se amar todos os membros de forma igual. É o famoso "OT 5/7/9/(insira o número de membros do grupo)". Para os fãs que se consideram "de verdade" é preciso amar todos os integrantes acima de tudo. Existem muitas polêmicas envolvendo liberdade de expressão, falta de entendimento do grande público – dentro do fandom essa ideia de gostar de todos pode até funcionar mas com o público geral isso não existe – e uma série de problemas em relação ao apagamento das individualidades de cada integrante do grupo. Mas isso é pauta para uma outra discussão.
Apesar de existirem diversas histórias horríveis envolvendo perseguições de sasaengs e reclamações de idols, acho importante reiterar que esse não é um comportamento comum e que não representa o senso de comunidade que existe num fandom. Infelizmente a mídia costuma retratar fãs sempre da mesma forma – eu sei pois trabalho com isso há mais de 10 anos e sempre preciso bater na mesma tecla – como se fossem meninas histéricas sem nenhuma noção da realidade. Isso não apenas é mentira como também deixa claro que tudo que não faz parte do universo masculino é tido como inferior, bobo e sem significado. Com o kpop isso se acentua ainda mais pois além do preconceito com boyband/girlband, existe a clara xenofobia (quem são esses chineses???), homofobia (todos parecem mulheres maquiadas demais) e estigma envolvendo a idade (quem gosta de boyband tem 12 anos). É importante distinguir pessoas que são fãs, criam laços sociais, geram capital social e subcultural e coexistem de forma colaborativa em prol de um sentimento em comum, de pessoas claramente doentes e psicopatas. Ser fã é incrível e ajuda muita gente a viver com seus conflitos internos, criar vínculos, descobrir talentos, achar motivação para conquistar coisas maiores. Diminuir tudo isso é, honestamente – e com todo respeito -, burrice. Principalmente em 2019. Se você pensa assim, reveja seus conceitos e saia dessa vida enquanto há tempo.
Sobre a autora
Camila Monteiro é jornalista e estudante de doutorado em música, mídia e fandoms. Ama cultura pop e é muito fã de Bangtan. Sua vida se divide em antes e depois que ela viu Park Jimin na sua frente.
Sobre o blog
Nesse espaço discutiremos o Universo Kpopper: fandoms, bandas, debuts, disbands, MVs, álbuns, tours, coreografias, Coréia e tudo que o K-Pop nos oferece. Entre visuals, rappers e vocalistas, ultimates e bias wrecker estabelecido(a)s, vamos refletir sobre as diferentes gerações do pop coreano, a influência na moda, beleza, cultura e como o K-pop muda a vida das pessoas.